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CAMINHO das PEDRAS ...

DA MINHA LÍNGUA VÊ-SE O MAR. DA MINHA LÍNGUA OUVE-SE O SEU RUMOR, COMO DA DE OUTROS SE OUVIRÁ A FLORESTA OU O SILÊNCIO DO DESERTO. POR ISSO A VOZ DO MAR FOI A NOSSA INQUIETAÇÃO. Vergílio Ferreira

CAMINHO das PEDRAS ...

DA MINHA LÍNGUA VÊ-SE O MAR. DA MINHA LÍNGUA OUVE-SE O SEU RUMOR, COMO DA DE OUTROS SE OUVIRÁ A FLORESTA OU O SILÊNCIO DO DESERTO. POR ISSO A VOZ DO MAR FOI A NOSSA INQUIETAÇÃO. Vergílio Ferreira

25
Mai10

DE LUANDA... COM SAUDADE...


CorteVale

 

 Crónica de Luanda… do Tonito!

 

É com enorme saudade e entusiasmo que acabo de ler a notícia da estadia da Nathalie em São Jorge.

 

Há muito, mas muito tempo que não tinha quaisquer notícias suas, minha cara Nathalie… Que pena sinto, termos passado estes anos todos sem falarmos… senti alguma mágoa nas suas palavras… também sinto que perdemos, ou melhor, que temos adormecido, dentro de nós, algo muito importante…

 

Também é verdade que as pessoas de quem gostamos mesmo, os verdadeiros amigos estão sempre connosco, mesmo quando passamos anos e anos sem estarmos com eles.

 

Ler o que a Nathalie sentiu em São Jorge fez despertar em mim uma enorme vontade de a ver, de falar consigo sobre nós e a nossa dilecta terra… essa São Jorge misteriosa que nos inquieta, nos provoca formigueiros na barriga, sempre que pensamos nela….

 

Ainda bem que não vendeu a casa velha…

 

Gostava de voltar a sentar-me em cima da arca grande, na sala de baixo…

 

Ah São Jorge! … Como eu gostava de estar aí, com os meus amigos de infância!

 

Como eu gostava de voltar a fazer um fio de amoras, ir apanhar barro azul à Cortevale, ir espreitar a mina seca da Selada, subir o nicho dos Lameiros, apanhar as canas dos foguetes da alvorada, correr à frente da música no dia da festa dos mineiros, nadar na presa das Dornas, ir deitar um papagaio, fazer um atira-pedras com uma forquilha de azinheira e borracha de mangueira velha, deitar o arco, jogar à bola à Eira, deitar o pião, jogar à guelharda,  jogar ó berlinde, mas com esferas, pois os berlinde mágicos, o de cor de rubi e o que imitava o arco-iris ficavam bem escondidos no bolso das calças de sarrobeco … espreitar a pesquisa do ti Camilo, roubar figos às eiras-das-casas, ouvir o futebol à porta da taberna do t’Zé Sapateiro, ajudar a fazer hóstias e prová-las, a ver se ficaram boas, acompanhadas por um golo de Ferreirinha… e tantas, tantas outras coisas bonitas…  

Tonito, hoje na casa dos 47 anos, sentado na esplanada do Clube dos Caçadores, mesmo ao lado do cinema ao ar livre, no Bairro Miramar, em Luanda, nesta tarde de sábado levemente abafada, Outono dentro, bebericava uma Eka, acompanhada com paracuca, enquanto deixava que o seu olhar se perdesse na imensidão do horizonte… lá em baixo, casario humilde, logo a seguir a azáfama do porto, a baía e a ilha com as suas praias e bares míticos, mesmo não sendo ilha, e… lá ao longe, o mar… era neste imenso mar de Luanda que planava com os seus pensamentos… desejando ir mar dentro…

 

 

Era contemplando este mar, mar das calemas trágicas, mas sereno, que gostava de se perder, mar dentro, absorto nestes pensamentos e desejos, em que São Jorge era o palco e ele e Nathalie eram dois miúdos com 12 anos que coravam constantemente, sempre que se encontravam, ora fugindo um do outro, cheios de vergonha e timidez, ora sentindo um desejo imenso em estarem juntos… sem falar, apenas sentindo o pulsar e o palpitar um do outro, naquele longínquo, mas tão próximo verão de 1975… sentados em cima da arca grande na sala de baixo da casa velha dos pais da Nathalie…

 

Tonito ainda guarda, na casa humilde da sua família da Barroca o diário, com as cartas que foi recebendo, entre os 12 e os 19 anos, de Nathalie…

 

Talvez nos encontremos por São Jorge e aí, prometo mostrar-lhe o meu diário, os desenhos e claro os poemas que fiz…

 

Várias vezes tentou desfazer-se destas memórias, mas no último instante não rasgava, nem deitava para o lume!

 

Tonito passou a sua adolescência entre os estudos no liceu da Covilhã, onde vivia com os pais, e as férias na Barroca e em São Jorge… Era para São Jorge que, no verão, Tonito puxava os pais, sempre na esperança de se encontrar com  Nathalie, e onde tinham a casita dos avós paternos… mas os pais preferiam e insistiam quase sempre em irem para a Barroca, pois a família da mãe era mais numerosa e a casa que aí tinham era bem mais confortável que o pardieiro de Cebola, como lhe chamava a mãe, para não falar na estrada, bem mais demorada e perigosa…

 

Tonito, como quase sempre, decidiu, de repente, ir para a Força Aérea; aos 20 anos já marchava na OTA … tirou a especialidade de navegação aérea…

 

Por várias vezes esteve quase a partir para Paris… mas refreava-se no último instante, pois sabia que o pai de Nathalie não via com bons olhos aquele arremedo de namorico, como lhe chamava e achava que a sua filha merecia melhor partido …

 

Tonito hesitou muitas vezes… chegou a estar em Paris, sem Nathalie saber, para combinar com ela e “fugirem” para Portugal… Mas refreou-se, pois sabia que Nathalie não queria chocar o pai… e o tempo foi passando…

 

 Tonito investiu como ninguém na sua profissão; desde os 25 anos e após uma sólida formação e experiência no Aeroporto de Lisboa, é um dos mais experientes controladores de tráfego aéreo… é o que tem feito desde aí… já trabalhou em muitos aeroportos e, desde há 2 anos, está a trabalhar como controlador de tráfego aéreo em Angola, dividindo-se entre a operação e o treino de novos controladores…

 

 

 

 

Só com uma profissão destas é que conseguia ter a vida confortável que tem, pois vive na cidade mais cara do mundo… Luanda!

 

Tonito nunca casou… tem passado a vida a saltitar de torre de controlo em torre de controlo… também reconhece que nunca encontrou ninguém que fosse capaz de tirar Nathalie do seu pensamento…

 

Na verdade o que o impede de concretizar este impulso de ver Nathalie? Se quiser consegue viajar no cockpit de qualquer voo comercial, pois conhece praticamente todos os comandantes que aterram em Luanda… aliás ficam quase sempre no hotel Alvalade, onde Tonito costuma almoçar com muitos deles…

  

Talvez esteja na altura de dar uma saltada a Paris!....

 

Será que Nathalie ia gostar da surpresa?

 

Também é verdade que se avizinha a festa de São Jorge…

 

Será que Nathalie estará por lá nesta altura?

 

 

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