São Jorge Antigo IX - A Luz Eléctrica!
CorteVale
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CorteVale
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São Jorge está a morrer! Quem lhe acode?
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P.S. Obrigado Prof. Carlos pelo excelente esclarecimento e resposta às questões que coloquei no post "São Jorge Antigo I" - http://covita.blogs.sapo.pt/6917.html .
CorteVale
Decidi-me! Os meus leitores merecem-me esta confiança!
Mexer nas nossas memórias sensíveis e mal resolvidas é, no mínimo, incómodo...
Todos temos telhados de vidro e todas as comunidades e povos têm “sótãos” onde se guardam e se esquecem (ou se reprimem) factos, acontecimentos, emoções e experiências, cuja revelação nunca é fácil e, a maioria das vezes, é dolorosa!...
Saúdo a lucidez e a coragem do Vitor e dos nossos conterrâneos que o têm acompanhado nesta reflexão e agitação das mentalidades e faço votos para que não se transforme numa catarse recriminatória, mas antes numa oportunidade para que na nossa terra não se repitam práticas de abandono, de exclusão e de violência como as que vitimaram o José Júnior!
Sejamos honestos. Estas tragédias não se abateram só sobre o José... quem não se lembra de outros nossos concidadãos, mesmo crianças, que, votados ao abandono e escorraçados pela nossa comunidade, se afundaram em tragédias pessoais de desfecho igualmente chocante e que terão deixado alguns Sãojorgenses mais atentos e sensíveis completamente chocados ou mesmo destroçados?
Que o “fantasma do José Júnior”, título da crónica de Saramago, seja um bom fantasma para todos os Sãojorgenses e nos mantenha de espírito alerta e permanentemente lúcidos para sermos capazes de apoiar e socorrer aqueles que, ao menor sinal de alarme, se queiram despedir precocemente da vida ou desistir de serem felizes, mergulhando na valeta para onde a nossa indiferença e desdém os tem empurrado...
Não será que esta obsessão permanente de competição uns com o outros, em que a ética e a moral não abundam, não nos consome e aliena e não vitima aqueles que, por maior sensibilidade ou fragilidade emocional, não querem participar neste “jogo”?
Há mais de 10 anos, inquietado por esta tragédia do José Júnior, desatei a oferecer em dias de aniversário de familiares esta “Viagem a Portugal”, de José Saramago, trata-se de uma viagem aos afectos, à cultura e também às angústias e fantasmas das comunidades e populações... recomendava, na altura, a leitura das páginas 141 a 143...
Ironicamente nunca nenhum dos meus, a quem ofereci o livro, tomou a iniciativa de discutir abertamente esta crónica – “o fantasma de José Júnior”... trata-se, de facto de 3 páginas que são um verdadeiro espelho, onde podemos espreitar o nosso rosto de SãoJorgenses e... não gostamos, de facto, do que vemos reflectido nesse espelho mágico!...
Não somos obrigados a gostar do que lá está escrito, mas temos a responsabilidade de aprender a evitar que algo semelhante aconteça ao nosso vizinho, ao nosso conterrâneo emigrado, ao nosso familiar, ao nosso colega dos bancos da escola!... seja ele do Pombal, da Cruz-da-Rua, da Capelinha, da Costa, do Rodeio, dos Torgais, da Ponte, do Porto, do Quintal...dos Cambões, do Vale, da Panasqueira, esteja ele no Canadá, na Alemanha, na Suíça, ou seja ele um ser humano desconhecido que esteja perto de nós!
Também a tragédia de José Júnior se cruzou comigo!
No ano lectivo de 72/73 dava aulas de educação física na Escola (na altura Comercial e Industrial) Campos Melo da Covilhã... foi a minha primeira experiência profissional a sério! Na altura hesitava entre estudar para professor de educação física, vir a ser psicólogo (o que acabou por acontecer) ou estudar advocacia. Como o ginásio da escola, onde eu dava aulas, ficava praticamente ao lado do tribunal da Covilhã aproveitava o fim das aulas para assistir discretamente a julgamentos e apreciar o funcionamento da justiça e (o que mais me interessava na altura) observar o desempenho, ora dos juízes, ora dos delegados do ministério público e... claro, as prestações dos advogados na barra de tribunal...
Numa tarde de um dia soalheiro, eram réus alguns jovens Sãojorgenses que tinham expressões de incrédulos... parecia que o céu lhes tinha caído em cima... estavam esmagados pela realidade que até aí lhes fora inconsciente?...Como terá sido possível que “brincadeiras estúpidas” e comportamentos inconscientes e desculpabilizados pelo efeito do álcool tivessem desencadeado aquela tragédia?!!! Pensariam eles e as não mais de uma dúzia de pessoas que comporiam a sala de audiências...
Já não me lembro exactamente de qual foi o veredicto, nem isso importará, mas lembro-me de que passaria pela cabeça de alguns dos presentes que o José Júnior é que teria estado no sítio errado e tombado de forma errada no meio de uma "brincadeira inocente"!.. Muitas consciências terão ficado aliviadas quando o juiz perguntou (a um familiar?) que pena ou reparo pedia a família ao tribunal e... numa voz humilde, tímida e fortemente constrangida terá balbuciado que eram bons rapazes, filhos de famílias humildes e trabalhadoras, coitados fizeram aquilo sem querer e toldados pelo vinho... que os mandasse em paz!
Na altura pensei que talvez fosse mais útil uma pena do género: "sois condenados a correr mundo durante 10 anos e ajudarem a levantar da lama todos os seres humanos que encontrardes despojados e que tenham desistido de viver..."
Provavelmente ficaremos mais em paz com o José Júnior e com nós próprios sempre que conseguirmos evitar, nem que seja por um só dia, que alguém viva os momentos trágicos que ele viveu... estas atitudes para com os nossos semelhantes serão bem mais úteis que uma qualquer tabuleta numa qualquer esquina de São Jorge!
Cortevale
CorteVale
Por tantas razões… enumerá-las seria quase impossível.
CorteVale é um vulcão de imagens, de emoções, mas também a quietude de um lugar com sentido…
CorteVale!…
Lembra-me o Fiel, cão majestoso e seguro, que me deixou montá-lo quando tinha 4 anos.
Conduz-me à presa da Buraca, onde tantas vezes me refresquei, depois de longas horas de futebol na Portela,
Recorda-me o barro azul que apanhei na barreira junto ao ribeiro, com que moldava bonecos e figuras que levava para a escola da Ponte…
Ainda hoje saboreio diospiros que me lembram a frescura e a doçura da CorteVale.
Foi à Cortevale que o meu avô me mostrou uma camisa de cobra, que pus à volta do pescoço, julgando ser um cachecol largado por um avião que passava lá no alto!
Á CorteVale aprendi a raspar, a “escombarar”, a cavar… a dosear o esforço e a rilhar os dentes para aguentar as borregas nas mãos.
À Cortevale aprendi a guardar cabras, a sentir a sua afeição e a alegria das marradas dos cabritos,
Também à CorteVale aperfeiçoei a arte de fazer cola a partir dos botões de seiva das macieiras e das pereiras,
Fiz caravelas com conocos e camisas de maçarocas de milho… experimentei fumar barbas de milho… brinquei às carduçadas com os amigos da Costa…
Assombrava-me quando tinha que ir à mina, assustava-me o esvoaçar do pássaro que fugia do fresco da penumbra da mina…
A porta do curral era um hino à reutilização dos materiais… uma palmilha de um sapato de borracha virou a dobradiça da porta!
E o Fiel conduzia as cabras para o curral e sentava-se à porta, barrando-lhes a saída!
À CorteVale saboreei couves e feijões comidos com um garfo de azinheira, feito pela minha avó!
À CorteVale poisava, estafado, os molhos de mato e de lenha que trazia do Vale dos Coelhos…
Hoje é um espaço aparentemente abandonado… A CorteVale… sempre que estou em São Jorge tento ir até lá… pela paz e serenidade interior que experimento, mas também pela energia que é libertada por tantos braços que trabalharam nesta breve planura…
A CorteVale faz-me evocar ainda milhares de outras imagens e emoções… pessoas, vozes, olhares, entreajuda… sensações de confiança, também de angústia, de medo…e de esperança…
A CorteVale é um lugar sagrado para mim… dá sentido a todo o meu ser!
CorteVale
Vasculhando pastas antigas e apontamentos sobre São Jorge... eis que encontro mais "postais" que registam os cortejos de oferendas, tudo em prol da angariação de fundos para a construção da Igreja Nova (presumo eu!)...
Saltam à vista vários pormenores...
Os mirones (carlotos?) que assistem à passagem do cortejo de oferendas, na "bancada" pouco confortável que é a parede, à direita, onde as pessoas se misturam com pilhas de telhas (?!) em equilíbrio instável e roupa a secar...
Lá ao alto, no Passadiço, à equerda o barracão de madeira (não era o armazém do gás do Sr. José e do Sr. Jorge da Eira, que tinham a loja de lanifícios e outras utilidades no dito largo?...
E claro, as pessoas, de fato domingueiro, com as notas presas nas lapelas dos casacos?!
A meio do cortejo, bem atrás do bombo maior, é visível um "andor" carregado com presunto, chouriços de lombo, paios...(será a fome que me tolda a vista?!!!), enquadrado por cestos de oferendas à cabeça das moçoilas com trajes tradicionais...
Mas, vejamos mais de perto:
Quem será esta criança, aqui à esquerda e em primeiro plano, com vestes humildes e descalça (?), que quase se confunde com a cor do caminho ou da calçada? Será que olha esfomeada para os cestos recheados com tantas guloseimas e petiscos no meio de tantos enfeites, transportados por mulheres tão andrajosas? Criança só e ignorada por todos os cortejantes, que lhe viram as costas!
Mas vejamos outros detalhes no cortejo das oferendas:
Em primeiro plano algumas crianças acompanham os "percursionistas" (performers): bombos, pífaros e aqui mesmo à frente o ritmo a ser marcado pelo manipulador dos bonecos em madeira... de que não me lembro o nome...
Ah! e o Ti Bernardo (?) ao lado do bombo maior...
Vejamos um plano mais aproximado...
A seguir o cortejo das oferendas em pormenor:
À esquerda os moçoilos engravatados e de mãos a abanar!... à direita as andrajosas jovens carregam os cestos de oferendas e aqui mesmo à frente o andor recheado...
Ai São Jorge! O que muitos dos teus filhos fizeram por ti e nada tiveram em troca !!!
CorteVale
A SAGA DA CONSTRUÇÃO DA IGREJA!
Antes e durante a construção da "nova Igreja" organizaram-se inúmeros ranchos de oferendas, onde as Aldeias Anexas à freguesia de Cebola marcaram presença....
Cestos, çafaites (açafates) e cabazes cheios de oferendas - queijos, chouriços, presuntos, aguardentes, e mesmo... oiro, para não falar nas notas de 50, 100 e mesmo de 1000 escudos, fixadas por alfinetes nas lapelas dos casacos dos homens da terra!...
Lembro, vagamente, uma procissão iniciada já na igreja nova e com um andor (presumo que de São Jorge), carregado e tapado de notas... revejo uma vaga imagem de um único envelope no meio das notas que cobriam todo o andor do padroeiro!...
Alguém terá tido o cuidado (e o prurido) de não ostentar notas na imagem do santo e daí este gesto de discrição... ainda criança, registei este comportamento de um(a) Sãojorgense anónimo(a)?... gostaria de saber quem foi que teve esta atitude... Claro que por modéstia, já visível no gesto do envelope, presumo que essa pessoa preferirá continuar no anonimato!...
À esquerda, a congestionar "a procissão", parece estar a "furgoneta dos Almeidas", esse eterno veículo que, de gemido em gemido e soluço em soluço, subia até à Eira e nunca deixou os condutores mal colocados...
Era como o Táxi do Ti Camilo... devagarinho e soluçando lá ia para todo o lado!
E eu enjoava que me fartava, pois no meio dos solavancos, cheiro a gasóleo e os cigarros do Ti Camilo, era impossível manter o estômago calmo!...
CorteVale
A Infância em Cebola!
Pelas caras - reconheço algumas - podemos presumir que se trata de uma imagem tirada há uns bons 60 anos... Provavelmente no final da década de 1940, início de 50!
Pelo fundo da imagem percebemos que foi tirada à Capela!
Note-se a "religiosidade" do acto de tirar a chapa... algumas das crianças de Cebola têm as mãos postas!
No primeiro plano da imagem uma criança mostra-nos algo! O que será?
Apesar de alguns breves sorrisos das meninas da fila de trás, impera o ar de respeito e algumas expressões sisudas.
Será que este grupo de crianças se encontrou num domingo à tarde, à Capela, para uma sessão de Catequese?
Espero outros olhares e comentários!
CorteVale
Uma pausa durante os trabalhos de demolição da velha igreja e/ou de preparação dos caboucos da nova (?).
Muitos destes rostos cansados viriam, alguns anos mais tarde, a aventurarem-se pelas terras dos canadás, das franças, das bélgicas, das alemanhas...
De facto, muito pouco tempo após a construção da nova igreja as Minas entraram numa grave crise, levando grande parte dos homens "dispensados" a partirem na camioneta das 5 da manhã com as cabeças cheias de esperança e os corações carregados de saudade... uns com "carta de chamada"... outros ... "a salto"!
CorteVale
Homenagem ao espírito comunitário, à humildade e à cooperação revelada pelos Sanjorgenses durante a construção da nova Igreja...
Será que nos dias de hoje - Maio de 2007 - seria possível ver imagens destas em São Jorge? Fica a interrogação!
Pormenor da igreja antiga, antes do início da sua demolição(?); a torre em avançado estado de degradação. Destaque para os empreendedores da nova igreja. Atente-se para os instrumentos de trabalho da altura (década de 1950)
A simplicidade da energia empreendedora de uma Comunidade...
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Extremamente comovida com este texto.Obrigada por ...
Esta foi das que mais gostei! Não desfazendo nas t...
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A tia Maria, tua Mãe... Saudades!!! Fez 10 anos d...
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