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CAMINHO das PEDRAS ...

DA MINHA LÍNGUA VÊ-SE O MAR. DA MINHA LÍNGUA OUVE-SE O SEU RUMOR, COMO DA DE OUTROS SE OUVIRÁ A FLORESTA OU O SILÊNCIO DO DESERTO. POR ISSO A VOZ DO MAR FOI A NOSSA INQUIETAÇÃO. Vergílio Ferreira

CAMINHO das PEDRAS ...

DA MINHA LÍNGUA VÊ-SE O MAR. DA MINHA LÍNGUA OUVE-SE O SEU RUMOR, COMO DA DE OUTROS SE OUVIRÁ A FLORESTA OU O SILÊNCIO DO DESERTO. POR ISSO A VOZ DO MAR FOI A NOSSA INQUIETAÇÃO. Vergílio Ferreira

21
Dez08

São Jorge Antigo VIII


CorteVale

 

MEMÓRIAS DE ONTEM
VIVÊNCIAS DE HOJE
 
 
ONTEM – O PASSADIÇO
 
Este é o Passadiço na sua humildade e na sua pobreza, tendo-se notado sempre um certo desleixo. Muitos ainda se lembram dele.
 
No rés-do-chão havia lojas que serviam de arrecadação e estábulo para animais.
Não era local limpo e, por vezes, muito mal cheiroso. Do tecto pendiam restos de palha que, misturados com teias de aranha, completavam o ambiente.
 
Era formado por duas casas unidas à altura do terceiro piso e por uma cobertura, construída em madeira tosca (falheiros) e que serviu sempre de palheiro. A casa da esquerda pertenceu a António Matias e foi sempre casa de habitação. A casa da direita pertenceu a meu tio, Moisés Pereira, que foi,  em tempos idos, casa de habitação e posteriormente serviu de arrecadação para pasto de animais.
As lojas do lado esquerdo serviram de arrecadação e as do lado direito foram utilizadas para estábulo de animais.
 
 
 
 
Reparemos que as três casas que se vêem na foto foram construídas de xisto e barro, materiais usados em todas as habitações da nossa aldeia e existentes em abundância na nossa região. (A nossa terra era digna de pertencer às aldeias do xisto, pois a maioria das casas foram construídas com este material. Com o andar dos tempos, começaram a rebocá-las e a pintar de branco pois houve a ideia de que as casas por caiar era sinal de pobreza).
 
Do lado esquerdo e mais próximo do fotógrafo, em finais dos anos 40, houve um barracão, pertencente a José Francisco Baptista, que servia de armazém a materiais de construção e outros. Entre este barracão e a casa de António Matias, havia uma serventia particular para os quintais de Joaquim Duarte Baptista e traseiras da sua residência.
Daqui nasceu em finais da década de 50 a Rua Nova da Igreja para dar acesso àquele templo religioso.
 
À entrada do Passadiço, vemos, em pose, duas meninas da Panasqueira que, em tempo de férias, vinham até Cebola dar o seu passeio, tendo uma delas namoriscado um dos muitos estudantes que então aqui havia.
 
Em primeiro plano, vemos uma filha de José Augusto Alves que vinha das hortas, de cesta na mão, e que não quis importunar o afortunado fotógrafo, que creio ter sido Jorge de Almeida Baptista ou António Mendes Bento, jovens estudantes na altura.
 
Em segundo plano, vemos uma criança do sexo feminino, na levada da água, bem encostada ao muro e que assistia, talvez pela primeira vez, àquele trabalho.
 
Lá ao cimo, à entrada da Travessa da Rua Direita, uma mulher, vestida de negro, que presumo ser minha mãe, Ti Piedade “do Fundo”, que dava conta da ocorrência.
 
No cantinho da minha memória recordo que, depois do alargamento do Corredouro, passaram por aqui os primeiros automóveis, (3 ou 4) com toda a garotada da aldeia correndo atrás e em grande algazarra, fazendo os condutores milagres de condução, pois a rua era à medida da canga  dos bois. Chegaram à Eira, porém, sem conseguirem evitar alguns riscos.
 
A povoação acabava aqui. Era o fundo do povo. Para nascente, não havia casas de habitação.
É de notar que algumas pessoas que aqui viviam aumentavam ao seu apelido o termo “do Fundo”, aparecendo mesmo em documentos oficiais, para assim se diferençarem de outras pessoas que tinham o mesmo nome.
 
Todos os nossos antepassados passavam por aqui:
 
Passavam por aqui os ganhões que, com a sua junta de bois, saíam ainda “d’alpardo”,
regressando alta noite, em passo lento, calçada acima, animados apenas com o chiar dos carros, carregados dos mais diversos produtos;
 
Passavam ainda por aqui os nossos familiares, jovens, crianças e mulheres, muitas delas com o “rulo” à cabeça com o último “rebento” nascido há pouco que, de sol a sol, cultivavam as magras leiras de onde, a poder de muito trabalho, angariavam algum sustento para si e para os seus.
 
Passavam sempre por aqui os mineiros, mais apressados na descida e mais lentos na subida, fazendo-se ouvir o barulho das suas botas brochadas por toda a aldeia;
 
O Passadiço era passagem obrigatória para os mineiros de Cebola, excepto os mineiros da Avesseira e alguns do Ribeiro do Souto que, para encurtar caminho, passavam pela levada do Fundo do Vale.
 
Estes “heróis do trabalho” nunca receberam as honras nem as distinções dos heróis nacionais, a não ser o magro salário que no fim de cada mês, em envelope fechado, depositavam no colo da esposa, para que ela governasse o seu agregado familiar.   
 
Estes homens, heróis mineiros que, morrendo na flor da vida, deixando mulher e a sua prole, geralmente bastante numerosa e que enriqueceram o país com o seu trabalho árduo e infra-humano e ”enterrados vivos”, bem merecem ser lembrados, em monumento simples.
Era um sinal a perpetuar a memória daqueles mártires do trabalho que partiram, levando a imensa mágoa de deixarem esposa e filhos, muitos ainda por acabar de criar.  
 
 
HOJE – O LARGO DE SÃO JORGE
 
Aqui, no Largo de São Jorge, por onde todos os mineiros passavam e que, como “toupeiras humanas”, tiravam do interior da terra o “ouro negro” que a todos enriquecia, excepto o trabalhador que empobrecia e precocemente morria, minado pelo mal de mina, a “Silicose”, ficava a lembrança, para os vindouros recordarem aqueles que partiram.
 
Todos nós teríamos alguém para recordar e uma prece se elevaria aos Céus por todos os nossos mártires mineiros.
 
Em1954 o Passadiço foi adquirido pela Junta de Freguesia, presidida por Augusto de Almeida, assim como as casas envolventes: a de Moisés Pereira, a de António Matias, a de Joaquim Bernardino e a de José Gonçalves. De todas elas apenas a de José Gonçalves foi reconstruída, tendo sido alinhada pela casa de Pedro Alves, que actualmente serve de sede à Junta de Freguesia e pela casa que foi de Joaquim Duarte Baptista.  
 
Assim nasceu este lindo Largo de São Jorge, que muitos chamaram Largo dos Paralelos e Largo do Passadiço e, até, por ironia, Arco do Triunfo.
 
 
Agora mais encantador ficou com nova iluminação e novo calcetamento. 
 
Ao centro, no chão, vemos uma representação heráldica: o brasão de São Jorge da Beira, tendo ao centro, como não podia deixar de ser, o gasómetro, sempre necessário ao mineiro; o lobo, animal abundante na nossa região e temido por todos; o cristal, sinal de riqueza, saído das nossas minas; e a castanha que era um dos principais alimentos dos nossos antepassados.
 
É de lembrar que os primeiros mineiros a trabalhar nas minas eram homens de Cebola e que em 1898 já havia exploração de volfrâmio em filões mais superficiais, havendo também já nesta mesma data uma lavaria manual muito rudimentar.
Nesta data já lá trabalhavam cerca de cem pessoas, sendo a grande maioria, homens de Cebola. 
 
Carlos Baptista Pereira

 

 

P.S. Obrigado Prof. Carlos pelo excelente esclarecimento e resposta às questões que coloquei no post "São Jorge Antigo I" - http://covita.blogs.sapo.pt/6917.html .

 

 

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